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Alma Xamânica

Caminhando em círculos, observando nuvens, com o olhar perdido entre a multidão que nos cercam na selva de pedra. Sou um estranho nesse universo de criaturas estranhas. Tal qual uma orquestra guiada por mãos invisíveis, a multidão se move e apressa-se em dar respostas a tudo, impedindo que pensem e perguntem de onde somos, porque estamos aqui, e porque viemos. Passam por mim, sem me perceberem, pois sou mais um na multidão. Esqueceram como se fareja, e perderam o espírito guerreiro e altivo de nossos antepassados. Seguem sua rotina diária, sem motivação e em completo marasmo, sem saberem compreender e entender o que é viver.

Subo a colina no silêncio da noite e ouço um uivo, que não é nada mais nada menos que o apelo da minha alma xamã, que se perdeu há muitos séculos nas cavernas profundas da alma, a autenticidade do meu Ser Primordial. Ao ouvir o uivo, resgato meu animal para me acompanhar nessa jornada do Caminho Sagrado.

Ao descer da colina encontro uma Caverna na qual entro e começo a explora-la numa escuridão total. Sigo em frente sem medo no coração até encontrar um par de olhos que me fitam. Sinto a força do Guardião ao fitar seus olhos e compartilhar comigo o seu saber. Uma sabedoria ancestral, que não se baseia em conhecimento de equações e conceitos sobre a existência. Mas sim um reino emocional, de uma experiência poética, harmônica e do Caminho da Beleza. Uma jóia que se encontra escondida em nosso Ser Sagrado. Mas que não se encontra disponível para aqueles que desejam possuir apenas o conhecimento arcaico, mas sim aqueles que anseiam em vivenciar a sabedoria ancestral, que é viver a plenitude da contemplação da alma e a profundidade do amor, que é a nossa essência. Pois a vida real localiza-se no nosso coração, com o conhecimento em nossas mentes.

Aprendo que nossa existência é um grande presente do amor. Que nós somos manifestações do Grande Mistério, ou seja, somos sagrados como toda forma de vida ao nosso redor são sagradas, por fazerem parte Dela. Somos pequenos universos onde existem rios, montanhas, árvores e estrelas. Somos irmãos de todas as coisas vivas, onde todas guardam a centelha do Grande Mistério. E é através delas que Ele se manifesta. Ainda dentro da Caverna, escuto atentamente as palavras do meu Animal Guardião que me recomenda que fale a todos que queiram escutar com o coração. A partir daquele momento, passei a constatar que o Grande Mistério estava depositado em cada ser.

Saindo da caverna com passos lentos, passei a observar que o amor existe em todas as coisas viventes. Ela encontra-se nas pintas do Jaguar, nas cores da Borboleta, no sorriso do Girassol, na chama que arde dentro da Safira, no uivo do lobo, entre outras criaturas. Passei a entender, porque eu amava tanto conversar com as árvores quando era criança, era o meu Verdadeiro Ser que se manifestava ao reconhecer o Grande Mistério em todas as coisas, e ao ver como é bela a Natureza. Não era mais necessário procurar o Grande Mistério, pois ele se manifesta em todas as coisas. Sentia que ele era o sol, a lua, o rio, o mar, o beija-flor e a borboleta. Escutava sua voz no vento que me ensina graciosamente. Caí de joelho na Terra diante de uma águia que me observava de cima de um galho e a reverenciei, vendo o Grande Mistério no seu ser. Sabia nesse momento que eu possuía o próprio Universo dentro do meu coração. Notei que eu poderia ser a chuva que cai suavemente na relva, o rio que deságua no mar, o vento que nos transmite os segredos do Grande Mistério, o dia que aquece nossa Mãe a Terra, e a noite que vem embalar o nosso sonho de criança. Não havia mais limites para o meu ser, eu poderia viajar entre os mundos e fazer novos aliados, podia curar e auxiliar todos os nossos irmãos, pois eu tenho o Grande Mistério dentro de mim.

Passei então a compreender, porque as pessoas que abandonaram o natural. Perderam a sua autenticidade e espontaneidade, raramente sorriem e refugiam-se no álcool e nas drogas, procurando algo que perderam. Perderam o brilho das estrelas e, criados na sociedade consumista, deram as costas para a vida, afastando-se do sol e penetrando nas trevas. Não podemos ser saudáveis, em mente, corpo e espírito, abandonando nossas raízes, e vivendo na artificialidade da selva de pedra. Ao abandonarmos nossa alma xamânica, tal qual a serpente abandona sua pele, negamos nossos espíritos. Espírito esse, que não pertence a esse mundo linear e racional, mas, pelo contrário, que tem raízes nas profundezas da Mãe Terra. Quando o homem, em determinado período da sua jornada na terra, deixou seu cérebro primitivo para trás e deu um salto quântico para o neocórtex, ele ultrapassou a fronteira natural e ansiou ser ele o Grande Mistério. Criou uma nova identidade e se perdeu nesse novo mundo. Isolou-se da natureza e pensou ser único e mais importante do que todas as formas de vida.

O coração do homem endureceu e ele passou a destruir vidas ao seu redor. Vendo-se impotente e não poder criar como o Grande Mistério, ele passou a destruir todas as formas de vida, matando, humilhando e subjugando, tal como fizeram com os nativos nos quatro cantos do mundo, e como fazem atualmente ainda com os animais e florestas. O homem deixou para trás, a beleza da simplicidade e da ingenuidade, que todos possuímos interiormente. Passou então a vagar inventando engenhocas eletrônicas para substituir a dádiva da natureza. Segue o seu caminho como se fosse um deserto árido. Seus pés não tocam diretamente a terra, seus olhos não conseguem ver o sol… Não ouvem a musicalidade dos sons da natureza. Vivendo num mundo artificial, desfilam sua alma vazia, por ruas e becos, correndo atrás da vida e perdendo-a em cada esquina, enquanto a verdadeira vida, no canto do pássaro, soa distante aos seus ouvidos…

Porém, se agora nos encontramos aqui, escutando a voz de nossa alma xamã, é porque o nosso coração nos levou de volta a fronteira natural, onde reina a integração com todas as formas de vida e onde se ouve cada folha, cada pedra, cada animal, a voz do amor! A volta ao nosso estado natural, de amor e harmonia com todos os seres é o desígnio do Grande Mistério que governa o universo. Quem sabe, se essa voz há tanto tempo perdida não será ouvida outra vez? Aqueles que têm os ouvidos atentos podem escutá-la no silêncio da noite ou simplesmente ao andar pela mata. Essa voz esconde-se nas pequenas coisas, ela um dia falará a todos nós. E só assim compreenderemos todo encantado da nossa existência. Passaremos então a correr livremente nas florestas, pradarias, nas montanhas e no cerrado. Sentiremos a chuva abençoando-nos, e escorrendo por nossos pelos, sentindo o perfume da mata, enquanto o nosso coração bate no ritmo da terra. O Grande Mistério transformado na águia sagrada nos acompanhará lá do alto, observando nossa corrida, abençoando-nos e sorrindo para nós, sabendo que recuperou o nosso ser para o seu amor.

Wagner Frota, “Jaguar Dourado”

Xamanista e Membro-fundador do Clã Lobos do Cerrado